sábado, 16 de agosto de 2008

Fisiologia do Estresse aplicada à Peixes Ornamentais por Dr. Rodrigo Mabilia

Fisiologia do Estresse Aplicada à Peixes Ornamentais
Por Rodrigo G. Mabilia Sumário
1.0 Introdução
2.0 Conceito de estresse aplicado ao Aquarismo
3.0 SAG - Síndrome da Adaptação Geral
4.0 Agentes desencadeantes do estresse em peixes

1.0 Introdução
Durante nosso dia a dia o uso da palavra estresse passou a ser sinônimo de cansaço, nervosismo, ou irritação. Quem um dia já não deparou-se com um colega, amigo, ou parente “estressado” ? As vezes é bom nem dar muito papo para um indívíduo estressado, pois corremos o risco de ter que levar uns desaforos para casa. É estresse no trabalho, no trânsito, com as provas da faculdade, em casa ... Mas baita mundinho estressado este o nosso, não ? Não restam dúvidas que o emprego da palavra estresse continua na moda mais do que nunca. Agora, para algumas pessoas fica um tanto quanto estranho falarmos que um animal (cão, gato, peixe, pássaro, etc...) está estressado. Tem gente que até torce o nariz, enquanto outros, com um senso de humor mais aguçado, não conseguem segurar algumas boas risadas. Não que haja maldade é claro, mas por mero desconhecimento do sentido amplo do conceito de estresse. Conceito de estresse Até a década de 40 o estresse era um termo técnico utilizado, basicamente pela engenharia, para caracterizar a ruptura, ou fadiga de materiais. Em 1950 um pesquisador chamado de Hans Seyle achou um significado de estresse na biologia através do famoso e discutido Modelo SAG, ou Síndrome da Adaptação Geral. Iremos mais adiante explicar o que vem a ser o SAG...

2.0 Conceito de estresse aplicado ao Aquarismo
Estresse é um estado fisiológico, ou comportamental produzido por fatores físicos, químicos e biológicos que ocasionam uma resposta de adaptação do peixe ornamental. Para ficar mais clara esta compreensão do conceito de estresse iremos passar um exemplo abaixo e elucidar no final deste artigo alguns dos principais fatores físicos, químicos e biológicos que ocasionam estresse em peixes ornamentais. Podemos utilizar como um bom exemplo de uma condição de estresse um aquário tropical de água doce com temperatura de água ao redor de 18°C. Nestas condições de temperatura os peixes tropicais são obrigados a realizar uma resposta de adaptação a esta condição adversa (temperatura da água de 18°C).
Qual seria a resposta fisiológica de adaptação ?
Bom, os peixes são animais poecilotérmicos, ou mais corretamente ectotérmicos. Isto significa que regulam a temperatura do corpo de acordo com a temperatura da água. Numa temperatura de 18°C peixes tropicais apresentam uma grande diminuição do metabolismo do organismo. Como são oriundos de ambientes onde as temperaturas de água ficam entre 26 a 28°C, esta queda do metabolismo e a baixa temperatura não são bem tolerados pelos peixes. Qual seria a resposta comportamental de adaptação ? Uma resposta comportamental muitas vezes sucede uma alteração fisiológica. Como o metabolismo dos peixes baixa sob estas condições de água fria eles não irão se alimentar, nem se locomover com tanta energia como fariam em águas mais quentes. É comum as nadadeiras ficarem mais fechadas e os peixes irem para o fundo do aquário, ou tanque. Quais as conseqüências desta condição de estresse ? As conseqüências diretas são as mortalidades pelo frio, ou indiretas ao predispor que alguns agentes patogênicos sejam beneficiados pelo fato dos peixes estarem debilitados pelo frio. Um surto de ictiofitiríase (ictio, ou doença dos pontos brancos) seria um dos agentes patogênicos mais prováveis de acometer peixes nestas condições, por exemplo. Estresse está relacionado negativamente ao bem estar animal.

3.0 Modelo SAG - Síndrome da Adaptação Geral A SAG (Síndrome da Adaptação Geral) é um modelo que caracteriza as alterações fisiológicas e comportamentais dos peixes frente a uma condição adversa. Esta condição adversa é nada mais nada menos que um fator, ou agente desencadeante de estresse. Para aprofundar os conhecimentos sobre as enfermidades dos peixes ornamentais, tanto o conceito de estresse aplicado ao aquarismo, como o SAG são de grande relevância.
O SAG, propriamente dito, consiste em 3 fases:
- Reação de Alarme.
- Fase de Resistência.
- Fase de exaustão.

Vamos ver a partir de agora como ocorre o SAG...
SAG – Reação de Alarme
A reação de alarme é o primeiro estágio da Adaptação Geral e ocorre a partir do primeiro contato com o estímulo estressor. É bastante fugaz e caracterizada pelas primeiras alterações fisiológicas e comportamentais nos peixes. Uma mudança brusca de ambiente (diferença acentuada de parâmetros de qualidade de água), captura, embalagem e transporte dos peixes já são suficientes para desencadear esta reação de alarme. A Reação de Alarme consiste numa resposta endócrina muito rápida. Esta resposta endócrina entende-se pela liberação de substâncias denominadas de catecolaminas. Mas quais seriam estas catecolaminas ? Bom, seriam a adrenalina e a noradrenalina liberadas por células muito especializadas existentes na porção anterior dos rins dos peixes. A liberação de adrenalina é uma reposta essencial ! Graças a este mecanismo da reação de alarme diversos animais garantem sua sobrevivência. A adrenalina é essencial em situações onde as presas precisam fugir de seus predadores, ou quando há uma situação de perigo qualquer. A adrenalina promove uma série de alterações fisiológicas, entre elas, o aumento das contrações do coração e conseqüente incremento no aporte de sangue para os músculos tornando-os suficientemente capazes de realizar exercícios bruscos e de alta intensidade. Situação esta vital quando há uma ameaça, ou alerta ! Os benefícios da liberação da adrenalina não terminam por aqui... Nos peixes a adrenalina promove também uma dilatação das veias existentes nas brânquias e com isso há uma melhor eficiência das trocas gasosas entre O2 e CO2. Assim está garantido mais oxigênio para ser consumido pelo peixe, justamente num momento onde ele mais precisa. A fisiologia do estresse torna-se cada vez mais interessante a medida que vamos conciliando a teoria com a prática. Basta observar um peixe quando iremos capturá-lo com uma redinha/puça, ou ainda quando colocamos este mesmo peixe abruptamente num novo aquário. O que vemos ? A primeira reação é uma respiração ofegante e logo a seguir tornam-se pálidos sem a coloração característica que possuíam segundos atrás. Isto é a reação de alarme mediada pelo efeito da adrenalina e noradrenalina.
SAG – Fase de Resistência
A fase de resistência ocorre logo a seguir da reação de alarme. É uma fase de maior duração, ao contrário da reação de alarme. A Fase de resistência é marcada por alterações fisiológicas secundárias. Está intimamente relacionada com a Reação de alarme, uma vez que é conseqüência da liberação demasiada de adrenalina e noradrenalina. Uma reação de alarme exacerbada faz com que uma outra substância seja liberada pelo organismo dos peixes. Esta substância é denominada de cortisol. O cortisol liberado é uma susbtância caracterizada por causar imunodepressão. É um hormônio que nas concentrações adequadas gera beneficíos, no entanto quando em excesso debilita o peixe e compromete as defesas imunitárias. Aqui surge uma encruzilhada... - Se a reação de alarme for duradoura e repetida os efeitos na fase de resistência são mais acentuados. - Se a reação de alarme for passageira e amena a fase de resistência não é significativa. A fase de resistência é essencial para que os peixes suportem condições adversas e se adaptem a ela a um nível que garanta sua sobrevivência. Durante esta fase de resistência alterações metabólicas acontecem para tentar manter o equilíbrio do peixe com o ambiente em que ele se encontra. Até quando um peixe conseguiria resistir a uma situação de estresse ? A gravidade da situação está relacionada a quantidade de cortisol e o tempo que este exerce seu efeito sobre o organismo. Isto está também relacionado a duração e a intensidade do estímulo estressor. A magnitude e a duração da resposta ao estresse são dependentes da severidade e da duração do estressor a que os peixes foram submetidos. Quanto tempo e qual temperatura uma determinada espécie de peixe tropical consegue suportar ? Quanto tempo um peixe consegue suportar ser transportado ? Perguntas como estas podem ser agregadas há muitas outras... No final de tudo, se não houver interrupção do estímulo estressor surge a teceira fase denominada de Exaustão.
SAG – Fase de Exaustão
A fase de exaustão é o último estágio da Síndrome da Adaptação Geral (SAG). É marcada, principalmente, pelas falhas de todos os mecanismos de adaptação do peixes. Há um esgotamento do peixe estressado por sobrecarga fisiológica. Aqui passam a surgir as doenças oportunistas, uma vez que o sistema imune do peixe está deprimido. Surge uma encruzilhada entre a vida e a morte.

4.0 Agentes desencadeantes do estresse em peixes
a) Agentes Físicos: entre os agentes físicos desencadeantes de estresse temos a temperatura da água e o transporte de peixes. Muitos destes fatores físicos estão associados a práticas de manejo que o homem realiza de maneira inadequada. A manipulação excessiva e captura dos peixes com redes/puçás seguida do transporte é um importante agente estressor que deve ser levado em consideração. Peixes enfermos, ou já debilitados não suportam muito bem estas condições e muitas vezes não sobrevivem. Medidas como adotar uma boa alimentação certificada com proteína de alta qualidade e rico complexo vitamínico e mineral auxiliam na recuperação destes peixes tornando-os mais resistentes a estas condições. Uma aclimatação eficiente respeitando as condições de qualidade de água das espécies também tem um efeito positivo nesta questão.
b) Agentes Químicos: entre os agentes químicos desencadeantes de estresse em peixes ornamentais temos a água (amônia, nitritos, pH, etc...) como o principal fator desencadeante. É muito importante conhecer os níveis tolerados pelso peixes para não cometer erros. Diversos produtos químicos (medicamentos basicamente) podem tornar-se agentes desencadeantes de estresse. Medicamentos fabricados com matérias primas de péssima qualidade e/ou formulados inadequadamente representam um aumento dos risco de causar estresse. Da mesma maneira superdosagens na hora de executar um tratamento dificultam a recuperação dos peixes ao causarem intoxicações. Um medicamento mal utilizado pode ser tão grave, ou mais do que a própria doença.
c) Agentes Biológicos: aqui entramos num dilema. Um patógeno é um agente estressor, ou uma conseqüência da condição do estresse ? Podemos considerar as duas situações como verdadeiras. Um patógeno pode ser um agente estressor e também pode ser uma conseqüência do estresse. Somente uma correta interpretação do diagnóstico de um caso clínico irá determinar se o patógeno é um agente desencadeante do estresse, ou uma conseqüência da condição de estresse. A distinção se um agente patogênico é um agente estressor, ou uma conseqüência da condição de estresse é FUNDAMENTAL para executar um tratamento e solucionar o problema. É muito comum observarmos aquaristas preocupados com o tipo de medicamento que devem utilizar para eliminar os sinais clínicos que seus peixes estão apresentando. No entanto, muitos esquecem de investigar o verdadeiro motivo pelo qual os seus peixes adoeceram. Nenhum tratamento será suficientemente eficaz se a causa que desencadeou o aparecimento de uma doença não for corrigida. É o caso de muitas infecções bacterianas que surgem quando os níveis de amônia e nitritos do aquário encontram-se elevados. É preciso sim tratar a bactéria com um medicamento adequado, mas deve-se também corrigir a água, pois esta é a verdadeira causa. São justamente os níveis elevados de amônia e nitritos os desencadeantes da condição de estresse que predispôs os peixes a adquirirem uma infecção bacteriana. A doença dos pontos brancos é outro bom exemplo. Muitos peixes após o transporte logo ao chegar nas residências e inseridos nos aquários desenvolvem o ICTIO. Obviamente deve-se tratar o protozoário que causa o ictio com um medicamento apropriado. Mais óbvio/trivial seria ter evitado uma série de fatores desencadeantes de estresse que deixaram estes peixes debilitados com as defesas imunológicas do organismo enfraquecidas pela condição de estresse (lembrar do SAG). A combinação de transporte, má nutrição e baixa temperatura é crucial para o desencadeamento de estresse suficiente para manifestação da doença dos pontos brancos. Ao contrário, peixes bem nutridos, corretamente transportados e aclimatados em águas com a devida qualidade não irão adoecer de Ictio, pois não há estresse. A grande maioria das doenças parasitárias acontecem justamente quando há um desequilíbrio entre o ambiente aquático do aquário e os peixes.

Artigo gentilmente cedido ao Aquablog pelo amigo Dr. Rodrigo Mabilia, uma das maiores autoridades em Nutrição e Patologia de Peixes Ornamentais do Brasil .

Por Rodrigo G. Mabilia - Médico Veterinário, Msc. pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Breve Histórico:
2002/2006 - execução de Projetos e Assistência Técnica em Piscicultura Ornamental e Aquarismo pela DeltaSul Aquacultura ltda.;
2003/2006 - atuou no AQUAVET (Laboratório Integrado de Diagnóstico de Patologias de Animais Aquáticos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul);
2005-2006 - integrante da Equipe da AQUARIUM Alimentos e Acessórios para Aquarismo; 2003/2007 - Consultor, Professor e Responsável Técnico da Estação de Aqüicultura da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra-RS);
2006-2007 - Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul atuando na sanidade de Animais Aquáticos
* Rodrigo Mabilia atualmente é Médico Veterinário, Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura atuando na Divisão de Pescado no Estado de Santa Catarina.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adaptação ao meio ambiente. Já faz um ano que instalei uma piscina de 2500 litros e nela estou criando Kingueos,Carpas, (Platis e Espadas, cujas especies já se misturaram). Nesse tanque a temperatura no frio tem a mínima de 20 graus,pois mantenho ligado um aquecedor de 600 watts e no calor gira em torno de 24 graus. Observo que os peixes estão se reproduzindo normalmente.
Gostaria de saber se nessas condições é possível introduzir nesse tanque alguns exemplares de Neon, Matogrosso, Tetra, Limpa-Vidro, Coridora, cujos peixes estão sendo criados em aquário de 100 litros, a uma temperatura média de 25 graus?
Desde já agradeço.
Antonio Bergamini
antoniobergamini@uol.com.br

Anônimo disse...

Olá Antonio, seria possível fazer isto, mas com algum tempo de aclimatação das espécies e alguns ajustes na química da água (recomendo manter Ph neutro) devido as disparidades dos requerimentos das espécies, te recomendo uma aclimatação bem lenta, acrescentando água do tanque no aquário nas trocas parciais, ajustes contínuos de Ph, etc, note que ao colocar espécies de tamanho inferior ao dos outros animais pode ocorrer predação. Abraço.

Victor Hugo
vhac01@gmail.com